domingo, 1 de maio de 2011

Seguindo ao Cristo Ressureto - C. H. Spurgeon


No. 1530
Sermão pregado na manhã de domingo, 28 de Março de 1880
Por Charles Haddon Spurgeon
No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.
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“Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra;” (Colossenses 3:1-2 ACF)

A Ressurreição de nosso divino Senhor dentre os mortos é a pedra angular da doutrina cristã. Talvez pudesse chamá-la mais precisamente de pedra principal do arco do cristianismo[1], pois se esse feito pudesse ser desmentido, toda a estrutura do Evangelho entraria em colapso. “Se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé ... E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E também os que dormiram em Cristo estão perdidos. Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Coríntios 15:14-19)

Devido à grande importância de Sua ressurreição, agradou a nosso Senhor dar muitas provas infalíveis dela, aparecendo e mostrando-se uma e outra vez em meio de Seus seguidores. Seria interessante averiguar quantas vezes o Senhor apareceu – creio que temos a menção de algumas dezesseis manifestações.

Ele mostrou-se abertamente diante de Seus discípulos, e verdadeiramente comeu e bebeu com eles. Eles tocaram Suas mãos e Seu lado transpassado, ouviram Sua voz e souberam que era o mesmo Jesus que fora crucificado. Ele não se contentou em proporcionar-lhes evidências para os ouvidos e os olhos, mas também demonstrou a realidade de Sua ressurreição inclusive para o sentido do tato.

Essas aparições foram muito diversas. Algumas vezes concedeu uma entrevista a uma só pessoa, quer que fora homem, como Cefas, ou a uma mulher, como Maria Madalena. Ele conversou com dois de seus seguidores quando iam andando no caminho de Emaús, e posteriormente com todo o grupo de apóstolos junto ao mar. Encontramos Jesus em uma ocasião em meio dos onze, quando as portas estavam cerradas por medo aos judeus, e em outra ocasião Lhe vemos no meio de uma assembleia de mais de quinhentos irmãos, os quais foram anos mais tarde, a maioria deles, testemunhas vivas desse fato. Não poderiam todas elas terem sido enganadas.

Não é possível que algum feito histórico qualquer pudesse ter sido posto sobre uma melhor base de credibilidade do que a ressurreição de nosso Senhor dentre os mortos. Esse feito está mais além de toda disputa e de toda dúvida, e foi assim propositadamente, porque ele é essencial para todo o sistema cristão.

Por essa mesma causa a ressurreição de Cristo é comemorada frequentemente. Não existe na Escritura nenhuma ordenança que estabeleça algum dia do Senhor no ano que deva ser separado para comemorar-se a ressurreição de Cristo dos mortos por essa razão: cada dia do Senhor é o memorial da ressurreição de nosso Senhor Jesus. Em qualquer domingo que quiserem, seja no mais profundo inverno, ou no maior calor do verão, ao despertarem, poderão cantar-

“Hoje se levantou e partiu dos mortos,
E o império de Satanás caiu;
Hoje os Seus santos triunfos publicam,
E contam todas Suas maravilhas.”

Separar um Domingo de Páscoa para que sirva de comemoração especial da ressurreição é uma invenção humana, para a qual não há nenhuma instrução Escriturística; porem, fazer de cada Domingo um domingo de Páscoa, é algo que é devido Àquele que logo cedo da alvorada ressuscitou no primeiro dia da semana.

Congregamos-nos no primeiro dia da semana em lugar do sétimo dia, porque a redenção é até mesmo uma obra maior que a criação, e mais digna de comemoração, e porque o descanso que seguiu à criação é superado pelo repouso que segue à consumação da redenção. Reunimos-nos no primeiro dia da semana, como os apóstolos, esperando que Jesus esteja em nosso meio, e diga: “Paz seja convosco” (Lucas 24:36). Nosso Senhor arrebatou o dia de descanso de suas velhas e enferrujadas dobradiças nas que fora anteriormente colocado pela lei desde tempos antigos, e o colocou sobre as novas dobradiças de ouro que seu amor tinha arquitetado. Ele colocou nosso dia de descanso, não ao fim de uma semana de trabalho, mas sim no começo do repouso que resta para o povo de Deus. Em cada primeiro dia da semana devemos meditar sobre a ressurreição de nosso Senhor, e devemos buscar entrar em comunhão com Ele em Sua vida ressurreta.

Não devemos jamais esquecer que todos os que estão Nele, ressuscitarão dos mortos em Sua ressurreição. Em ordem de importância, a ressurreição segue a doutrina de Cristo como cabeça federal da Igreja e a unidade de todo Seu povo com Ele. É devido a que estamos com Cristo que nos convertemos participantes de tudo o que Cristo fez: somos circuncidados com Ele, mortos com Ele, enterrados com Ele e ressuscitados com Ele, porque não podemos ser separados Dele. Somos membros de Seu corpo, e nenhum osso Seu pode ser quebrado. Devido que essa união é muitíssimo íntima, contínua e indissolúvel, tudo o que concerne a Ele concerne a nós também, e como Ele ressuscitou, todo seu povo também ressuscitou Nele.

O povo ressuscitou de duas maneiras. Primeiro, representativamente. Todos os eleitos ressuscitaram em Cristo no dia em que Ele abandonou a tumba. Cristo foi justificado, ou declarado limpo, de todo o passivo gerado por nossos pecados, quando foi deixado em liberdade da prisão da tumba. Não havia nenhuma razão para detê-lo no sepulcro, pois Ele saldou as dívidas de Seu povo quando “de uma vez morreu para o pecado.” (Romanos 6:10) Ele era nosso refém e nosso representante, e quando libertou-se de Suas ataduras, fomos libertos Nele. Sofremos a sentença da lei em nosso Substituto, estivemos detidos em Sua prisão, e até mesmo morremos sob Sua sentença de morte, e agora já não estamos mais debaixo da maldição da lei.

Se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sabendo que, tendo sido Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte não mais tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.” (Romanos 6:8-10)

Junto a essa ressurreição representativa vem nossa ressurreição espiritual, que é nossa tão logo somos conduzidos a crer em Jesus Cristo por meio da fé. Então se pode dizer de nós: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados.” (Efésios 2:1)

A benção da ressurreição deverá ser aperfeiçoada de pouco a pouco até a aparição nosso Senhor e Salvador, pois então nossos corpos ressuscitarão, se nos dormirmos antes de Sua vinda. Ele redimiu nossa condição humana em sua totalidade, espírito, alma e corpo, e não estará satisfeito até que a ressurreição que teve lugar em nosso espírito também tenha lugar em nosso corpo. Esses ossos secos viverão – conjuntamente com Seu cadáver ressuscitarão –

“Quando se levantou e ascendeu ao alto
Mostrou a nossos pés o caminho;
Nossa carne se remontará ao Senhor
No grandioso dia da ressurreição.”

Então saberemos, na perfeição da beleza de nossa ressurreição, que em verdade somos completamente ressuscitados em Cristo, e “assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo.” (1 Coríntios 15:22)

Essa manhã, falaremos somente de nossa comunhão com Cristo em Sua ressurreição, no que se refere a nossa própria ressurreição espiritual. Não me venham a mal interpretar pensando que eu creio que a ressurreição é somente espiritual, pois uma ressurreição literal dos mortos há de ocorrer todavia – mas como nosso texto fala da ressurreição espiritual, essa é a que me esforçarei por expor diante de vocês.

I. Primeiro, então, CONSIDEREMOS NOSSA RESSUREIÇÃO ESPIRITUAL COM CRISTO: “Se, pois, haveis ressuscitado com Cristo.” Ainda que as palavras pareçam uma suposição, não possuem o propósito de sê-las. O apóstolo não está colocando em dúvida, nem está fazendo nenhuma pergunta a respeito, mas sim está somente o expressando assim como argumentação. Poderia ser lido de igual forma, “se, pois ressuscitaram com Cristo.” O “se” é usado logicamente, não teologicamente: a maneira de argumentação, e não porque houvesse alguma dúvida. Todos os que crêem em Cristo, são ressuscitados com Cristo. Meditemos nessa verdade.

Pois, primeiro, estávamos “mortos em nossos delitos e pecados”, mas havendo crido em Cristo, temos sido vivificados pelo Espírito Santo, e já não estamos mais mortos. Ali estávamos na tumba, sujeitos a apodrecermos; sim, alguns de nós já estávamos putrefatos, os sinais do verme do pecado estavam estampados em nosso caráter, e de nós emanava o fedor do pecado real. Mais ou menos de conformidade ao lapso no qual permanecemos nessa morte, e de acordo às circunstâncias que nos rodeavam, a morte trabalhou corrupção em nós. Jazíamos em nossa morte, sendo totalmente incapazes de nos levantarmos de lá por nós mesmos – nossos olhos não podiam ver, nossos ouvidos não podiam ouvir: nosso coração não podia amar - nossa mão seca não podia ser estendida para tocar com fé.

Éramos até mesmo como aqueles que descem a cova, como os que já estão mortos: só que nisso nos encontrávamos em uma pior situação do que aqueles que estavam mortos efetivamente, pois éramos responsáveis de todas nossas omissões e insuficiências. Éramos tão culpáveis como se tivéssemos tido poder, pois a perda do poder moral não leva consigo a perda da responsabilidade moral. Estávamos, portanto, em um estado de morte espiritual do tipo mais terrível.

O Espírito Santo nos visitou e nos fez viver. Alguns de nós nos lembramos da primeira sensação de vida: como parecia formigar nas veias de nossas almas com uma aguda e amarga dor – do mesmo jeito que as pessoas que se afogam sofrem grande dor quando a vida volta nelas, nós também sentimos uma grande dor.

A convicção, a confissão de pecado, o terror do juízo vindouro, e um sentido da presente condenação, todas essas coisas foram trabalhadas em nós. Porem, esses eram sinais de vida, e essa vida aprofundou-se gradualmente e expandiu-se até que o olho foi aberto: podíamos ver a Cristo, a mão cessou de estar seca, e a estendemos e tocamos na orla de Seu manto; os pés começaram a moverem-se no caminho da obediência, e o coração sentiu em seu interior a doce incandescência do amor. Então os olhos, insatisfeitos somente com ver, se puseram a chorar, e depois, quando as lágrimas foram enxugadas, esses olhos brilhavam e fulguravam com deleite.

Oh meus irmãos crentes em Jesus, vocês já não estão mortos espiritualmente. Creram em Cristo, e esse grandioso ato demonstra que já não estão mortos. Foram vivificados por Deus de acordo com a obra de Seu poder todo-poderoso, que obrou em Cristo quando lhe ressuscitou dentre os mortos, e o assentou a Sua destra nos lugares celestiais.

Amados, vocês agora são novas criaturas, o fruto de um segundo nascimento, gerados de novo em Cristo Jesus para uma nova vida. Cristo é sua vida – uma vida que não conheceram antes, nem poderiam ter conhecido fora Dele. Se, pois, ressuscitaram com Cristo, andais em nova vida, enquanto que o mundo permanece na morte.

Damos outro passo à frente: Temos ressuscitado com Cristo, e por isso, uma reviravolta poderosa foi feita em nós. Quando os mortos ressuscitarem, não aparecerão como o são agora. A semente enterrada ergue-se do terreno, mas não como semente, já que produz folhas verdes, botões, talo, e gradualmente desenvolve flores e frutos, e de igual modo nós levaremos uma forma nova, pois seremos renovados segundo a imagem Dele, que nos criou em justiça e santidade.

Peço-lhes que considerem a mudança que o Espírito de Deus trabalha no crente: uma mudança verdadeiramente maravilhosa! Antes da regeneração, nossa alma era como será nosso corpo quando esse morrer – e lemos que “se semeia em corrupção.” Existia corrupção em nossa mente e ela estava trabalhando irresistivelmente em favor das coisas malvadas e ofensivas. Em muitos, a corrupção não se mostrava sobre a superfície, mas estava operando internamente; já em outros, a visão dessa corrupção era conspícua e pavorosa.

E como grande essa conversão! Pois agora o poder da corrupção dentro de nós está quebrantado: a nova vida venceu esse poder, pois essa nova vida é uma semente viva e incorruptível que vive e permanece para sempre. A corrupção está na velha natureza, mas não pode tocar a nova, que é nosso verdadeiro e real eu. Por acaso não é algo grandioso ser limpo da imundícia que nos teria levado finalmente ao Tofet, onde o arde o fogo que jamais se apagará, e onde o bicho que não morre alimenta-se dos corruptos?

Nosso antigo estado era mais ainda além daquele que sobrevêm ao corpo ao momento da morte, pois era um estado de desonra. Vocês sabem como o apóstolo se referiu ao corpo: “Semeia-se em desonra”. E, certamente, nenhum cadáver leva tal desonra como a que repousa no homem que está morto em delitos e pecados. Ora, de todas as coisas do mundo que merecem vergonha e desprezo, um homem de condição pecaminosa é a que mais os merece. Esse homem despreza seu Criador, não cuida de seu Salvador, escolhe o mal em vez do bem, e rejeita a luz porque suas obras são más, e por isso prefere as trevas. No juízo de todos os espíritos puros, um homem pecaminoso é um homem desonrado.

Porem, óh, como o homem é transformado quando a graça de Deus trabalha em seu interior, pois então é honorável. “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus” (1 João 3:1) Que honra é essa! O próprio céu não contém um ser mais honorável que um homem renovado. Muito bem podemos clamar com Davi: “Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?” (Salmos 8:4) Porem, quando na pessoa de Jesus, vislumbramos que o homem é levado a ter domínio sobre todas as obras das mãos de Deus, e sabemos que Jesus nos tem feito reis e sacerdotes para Deus, nos enchemos de assombro porque Deus nos exalte assim. O próprio Senhor há dito: “foste precioso aos meus olhos, também foste honrado, e eu te amei” (Isaías 43:4) “para vós, os que credes, é preciosa”, (1 Pedro 2:7) pois assim poderia estar expressa no texto original. Um Cristo precioso nos faz preciosos: todos os santos recebem tal honra.

Quando um corpo é enterrado, o apóstolo nos informa ainda mais que  “semeia-se em debilidade.” O próprio corpo morto não pode colocar-se a si mesmo em seu último leito, e são mãos amigas que deverão colocá-lo lá -  de igual modo, éramos a debilidade total para com tudo de bom. Quando éramos cativos do pecado, não podíamos fazer nada bom, tal como disse nosso Senhor: “porque sem mim nada podeis fazer.” (João 15:5) Fora Dele, éramos incapazes até mesmo de algum bom pensamento. Porem “Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios.” (Romanos 5:6); e agora Lhe conhecemos e ao poder de Sua ressurreição. Deus nos tem dado o espírito de poder e de amor; não está por acaso escrito: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome? (João 1:12)”

Que poder tão assombroso é esse! Agora nós provamos das “virtudes do século futuro,” (Hebreus 6:5) e somos fortalecidos com “toda a fortaleza, segundo a força da sua glória, em toda a paciência, e longanimidade com gozo” (Colossenses 1:11) A fé nos veste com um poder divino, pois “Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê” (Marcos 9:23), e cada crente pode exclamar, sem jactância: “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.” (Filipenses 4:13) Por acaso nos é maravilhoso a mudança que a ressurreição espiritual tem trabalhado em nós? Não é algo glorioso que o poder de Deus se aperfeiçoe em nossa fraqueza?

A grandiosa mudança tem que ver primordialmente com outro ponto. É dito do corpo: “Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual.” Outrora éramos homens naturais e não discerníamos as coisas que são do Espírito de Deus. Antes, nos interessava as coisas terrenas e éramos movidos por concupiscências carnais que iam atrás das coisas visíveis – porem, agora, pela graça divina, um espírito foi criado em nós que se alimenta do pão espiritual, que vive para propósitos espirituais, que é possuído de motivos espirituais e se regozija na verdade espiritual.

Essa conversão do natural ao espiritual é de tal magnitude, que só Deus mesmo poderia tê-la feito, e, no entanto, temos experimentado ela. A Deus seja a glória. Assim que, em virtude de nossa ressurreição em Cristo, temos recebido vida e temos nos tornamos objetos de uma portentosa mudança: “as coisas velhas passaram; eis aqui todas são feitas novas.”

Como consequência de que recebemos essa vida e experimentamos essa mudança,as coisas do mundo e do pecado convertem-se em uma tumba para nós. Para um morto, uma tumba é um lar tão bom como poderia precisar alguma vez. Poderiam até chamá-la de seu quarto particular, se quisessem – pois esse morto jaz no seu interior de maneira tão inconsciente como se ele estivesse em um sonho. Porem, no instante em que um morto revive, não suportaria tal dormitório – o considera uma terrível cripta, um calabouço aborrecível, um insuportável ossuário, e deve abandoná-la imediatamente.

Assim, quando vocês e eu éramos homens naturais, e não possuíamos vida espiritual, contentávamos com as coisas dessa vida – porem, tudo é sumariamente diferente agora. Tudo o que desejávamos antes era uma religião meramente externa. Uma forma morta que se amoldava a nossa alma morta. No próprio começo do Evangelho, o judaísmo agradava aos que estavam sob seu jugo: as luas novas, os dias santos, as ordenanças tradicionais, os jejuns e as festividades, eram coisas grandiosas para os que tinham esquecido sua ressurreição com Cristo.

Todas essas coisas constituem um belo mobiliário para o dormitório de um morto – mas quando a vida eterna entra na alma, essas ordenanças exteriores são lançadas longe, e o homem que vive rasga sua mortalha, rompe suas fendas fechadas, e exige os vestidos apropriados para a vida.

Dessa maneira o apóstolo, no capítulo anterior ao nosso texto, nos diz que não permitamos que ninguém nos engane utilizando tradições de homens e invenções de um ritualismo morto, pois essas coisas não são a porção própria dos homens renovados e espirituais.

Assim, também, todos os objetos meramente carnais convertem-se numa tumba para nós, sejam prazeres pecaminosos ou ganâncias egoístas. Para o que está morto, o sudário, o ataúde e a cripta são coisas apropriadas – mas basta que o cadáver viva de novo, e então não pode descansar na tumba. Da mesma forma, o homem renovado pela graça não pode permanecer no pecado, pois esse é um ataúde para ele: não pode suportar os prazeres malignos, pois são como um sudário; ele clama por liberdade. Quando a ressurreição chega, o homem levanta a tampa que está sobre sua tumba, e destrói o monumento e a lápide mortuária colocada acima dela.

Algumas almas estão enterradas debaixo de uma massa de justiça própria, a semelhança de homens ricos sobre os quais se erigiram templos de mármore; porem, o crente desprende-se de tudo isso, deve desfazer-se deles todos, pois não pode tolerar as obras mortas. Não pode viver de outra maneira que não pela fé – qualquer outra vida é morte para ele. Deve sair de seu estado anterior, pois, assim também como quando somos vivificados pela graça, as coisas do pecado, do eu e do sentido carnal se convertem em fúnebres catacumbas para nós, nas que nossa alma sente-se enterradas, e das quais devemos sair. Como nós que temos ressuscitado de morte do pecado, poderíamos viver mais tempo ali?

Agora, amados, nesse momento nós ressuscitamos plenamente dos mortos em um sentido espiritual. Pensemos nisso, pois nosso Senhor não experimentou a ressurreição de sua cabeça enquanto Seus pés permanecem no sepulcro; mas sim ressuscitou como um homem inteiro e perfeito, integralmente vivo.

De igual modo, fomos renovados em cada uma de nossas partes. Temos recebido, ainda que se encontre em sua primeira infância, uma perfeita vida espiritual: somos perfeitos em Cristo Jesus. Em nosso homem interior nosso olho é aberto: cada uma de nossas faculdades está lá, ainda que sejam imaturas, e precisem de desenvolvimento, e tenham ainda que contender com a velha natureza morta.

Alem, e isso é o melhor de tudo, temos ressuscitado de tal forma que não morreremos mais. Oh, não me contem mais a terrível história de que um homem que tenha recebido a vida eterna pode, todavia, perder a graça e perecer. Com nossas Bíblias na mão nós sabemos que não é assim. “Sabendo que, tendo sido Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte não mais tem domínio sobre ele.” (Romanos 6:9), portanto, quem  recebeu nele mesmo a vida de Cristo, não morrerá jamais. Por acaso Ele não tem dito: “E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá?” (João 11:26) Essa vida que Ele nos deu, será em nós “uma fonte de água que salte para a vida eterna.” (João 4:14) Ele mesmo disse: “dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão.” (João 10:28)

No dia de nossa ressurreição, daremos adeus à morte espiritual e ao sepulcro no qual dormimos sob o domínio do pecado. Adeus, amor mortal ao pecado – lhe demos um fim! Adeus, mundo morto, mundo corrupto, rompemos contigo! Cristo nos ressuscitou. Cristo nos deu vida eterna. Abandonamos para sempre as terríveis moradas da morte, e buscamos os lugares celestiais. Nosso Jesus vive, e porque Ele vive, nós também vivermos pelos séculos dos séculos.

Dessa maneira tratei de explicar a metáfora da ressurreição, por meio da qual nossa renovação espiritual está tão bem expressa.

II. O apóstolo nos exorta a usar a vida que temos recebido, e assim, em segundo lugar, EXERCITEMOS A NOVA VIDA EM PROPÓSITOS APROPRIADOS. “se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima. (Colossenses 3:1) Suas ações deverão ser de acordo com sua nova vida.

Primeiro, então, abandonemos o sepulcro. Se nós ressuscitamos, nosso primeiro ato deve ser abandonar a região da morte. Saiamos da cripta de uma religião meramente externa, e adoremos a Deus em espírito e verdade. Acabemos com o sacerdócio, e com todos os negros assuntos das empresas funerárias, e deixemos que os mortos enterrem seus próprios mortos – não nos envolveremos nisso. Acabemos com as formas externas, os ritos e cerimônias que não são ordenadas por Cristo, e não queiramos saber de nada exceto Cristo crucificado – pois aquilo que não é do Senhor vivente, é uma mera peça de pompa funerária, apropriada para os cemitérios e os formalistas, cuja religião inteira consiste em lançar pás de terra sobre as tampas dos ataúdes. “A terra à terra, as cinzas às cinzas, o pós ao pó.” “O que é nascido da carne é carne”(João 3).

Também devemos sair da cripta dos gozos carnais, nos quais os homens buscam se saciarem com a provisão para a carne. Não viveremos pela vista do olho, nem pela audição do ouvido. Não vivamos para armazenar riquezas, ou para alcançar a fama, pois estas deverão ser como coisas mortas para o homem que ressuscitou em Cristo. Não vivamos para o mundo que enxergamos, nem sigamos as modas de homens para os quais esta vida é tudo.

Vivamos como aqueles que saíram do mundo que, ainda que estejam nele, não pertencem a ele. Não devemos preocupar-nos do país de onde saímos, mas antes abandoná-lo, como Abraão fez, como se não existisse tal pátria terrestre, morando a partir de agora com nosso Deus, sendo peregrinos com Ele, buscando “uma cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus.” (Hebreus 11:10) Assim como Jesus deixou para trás as moradas da morte, nó também façamos o mesmo.

E logo, nos apressemos em esquecer todo mal, assim como nosso Senhor se apressou em deixar a tumba. Depois de tudo, que pouco tempo permaneceu entre os mortos. Ele necessitava permanecer no coração da terra durante três dias, mas os encurtou na medida do possível, de tal forma que é difícil calcular três dias em absoluto. Estavam ali, pois existiam fragmentos de cada período, mas, verdadeiramente, nunca existiram três dias mais curtos dos que esses que Jesus encurtou. Encurtou-os em justiça, e tendo sido libertado das dores da morte, ressuscitou cedo, ao romper do dia. No primeiro instante que foi possível que saísse do sepulcro, consistentemente com as Escrituras, Ele deixou o sudário e a mortalha, e ficou no jardim, esperando para saudar seus discípulos.

O mesmo deverá suceder conosco: não deve existir demora, nem ociosidade, nem desejos atrás do mundo, nem apego a suas vaidades, nem provisões para a carne. Levante-se cedo de manhã, vocês que foram vivificados espiritualmente! Levantem-se cedo de manhã, de sua apatia, de seu prazer carnal, de seu amor às riquezas e ao ego, e saiam da cripta para uma esfera sobrenatural de ação: “se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima.” (Colossenses 3:1)

Prosseguindo com a analogia: quando nosso Senhor deixou a tumba assim cedinho, passou uma temporada na terra entre Seus discípulos, e nós devemos passar o tempo de nossa temporada aqui na terra como Ele passou o Dele, no santo serviço. Nosso Senhor reconheceu que estava de passagem tão logo que ressuscitou. Lembrem-se, Ele disse: “subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.” (João 20:17) Ele não disse: “subirei”, mas sim como se houvesse de acontecer tão logo que já estava com que acontecendo. Ficou ainda quarenta dias, pois tinha que fazer a obra de quarenta dias – porem, já se via como indo ao céu. Tinha terminado com o mundo, havia terminado com a tumba, e agora disse: “subo para meu Pai e vosso Pai” (João 20:17a)

Nós também temos que guardamos aqui quarenta dias – o período pode ser mais longo ou mais curto segundo ordene providência de Deus, mas logo terá passado, e o tempo de nossa partida chegará. Temos que passar nossa vida ressurreta na terra como Jesus passou a Sua: em uma maior separação do mundo e uma maior aproximação com o céu como jamais antes.

Nosso Senhor ocupou-se muito em dar testemunho, em manifestar-se, como já o temos visto, em diversas formas, a Seus amigos e seguidores. Nós também temos que manifestar os frutos da nossa vida ressurreta, e dar testemunho do poder de Deus. Todos os homens deverão ver que vocês ressuscitaram. Vivam de tal forma que não possa haver a menor dúvida sobre vossa ressurreição espiritual, mais do que não houve sobre a ressurreição literal de Cristo. Não publiquem ao mundo suas próprias virtudes para serem honrados pelas pessoas do mundo – no entanto, “assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus 5:16) Que sua posse da nova vida fique além de toda dúvida, de tal forma que quando os homem tiverem ido para casa, seus amigos e conhecidos possam dizer “era um filho de Deus, pois sentimos o poder de sua vida – era um homem transformado, pois nós vimos a renovação.”

Jesus passou também Sua vida ressurreta consolando aos santos. Disse: “Paz seja convosco.” (Lucas 24:36) Falou a um e a outro: às Marias, ao pobre Pedro que o negou, e a todo o grupo reunido, animando-lhes e preparando-lhes para sua carreira futura. Ele passou esses quarentas dias colocando tudo em ordem em Seu reino, ajeitando tudo o que deveria ser quando Ele ascendesse, e deixando Sua última comissão a Seus seguidores dizendo-lhes: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.” (Marcos 16:15)

Amados, nós também temos que passar o tempo de nossa passagem aqui no temor de Deus, adorando-Lhe, servindo-Lhe, glorificando-Lhe, esforçando-nos para colocar tudo em ordem para a expansão do reino de nosso Senhor, para consolo dos santos e para o cumprimento de Seus sagrados propósitos.

Porem, agora que já os conduzi tão longe, quero que sigam adiante e se elevem mais alto. Que o Senhor nos ajude. Nossas mentes devem ascender ao céu em Cristo. Inclusive enquanto nossos corpos estão aqui, devemos ser transportados ao alto com Cristo – devemos ser atraídos a Ele, para que possamos dizer: “nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Efésios 2:6) Nosso texto diz “buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.” Que é isso senão elevar-se aos propósitos celestiais? Jesus subiu ao alto – vamos ao alto com Ele. Quanto a esses corpos, ainda não podemos subir, pois não estão preparados para herdar o reino de Deus – no entanto, nossos pensamentos e nossos corações deverão remontar ao céu e devemos construir um feliz repouso lá ao alto. Não permitamos que um único pensamento extraviado levante voo como um pássaro solitário que canta e vai ao céu ; mas sim que nossa mente toda, nossa alma, espírito e coração devem levantar tanto quanto as pombas voem como uma nuvem. Sejamos práticos, também, em verdade busquemos as coisas de cima: as busquemos porque sentimos que necessitamos delas - busquemo-las porque as valorizamos grandemente - busquemo-las porque esperamos ganhá-las; pois um homem não buscará de todo coração aquilo que não tem esperança de obter. As coisas que estão acima que temos que busca mesmo agora são coisas como essas; busquemos a comunhão celestial, pois já não somos contados entre a congregação dos mortos, mas sim temos comunhão com a ressurreição de Cristo, e com todos os ressuscitados. “A nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo.” (1 João 1:3) e “a nossa cidade está nos céus” (Filipenses 3:20) Busquemos caminhar com o Deus vivente e conhecer a comunhão do Espírito.

Busquemos graças celestes – pois “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto” (Tiago 1:17) Busquemos mais fé, mais amor, mais paciência, mais zelo: nos esforcemos por uma maior caridade, uma maior caridade entranhável, uma maior humildade de espírito. Esforcemos-nos por uma maior semelhança a Cristo, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Busquemos levar a imagem do celestial, e levar essas jóias que adornam aos espíritos celestes.

Busquemos também os objetivos celestiais. Tenhamos o propósito de glória da de Deus em tudo. Devem trabalhar e esforçarem-se arduamente nesse mundo, pois ainda estão no corpo – procurem usar as coisas do mundo para a glória de Deus. Exercitem seus privilégios e cumpram com seus deveres como homens, e como ingleses, como que diante de Deus, sem que lhes importe o juízo dos homens. Quando se misturem com os filhos dos homens, tenham atenção para não descer ao nível deles, nem atuarem segundo seus motivos. Não deverão buscar seus próprios fins egoístas, nem o engrandecimento de um grupo, mas sim promover o bem geral, e os interesses da verdade, da justiça, da paz e da pureza. Santifiquem tudo pelo amor a Deus e de seus vizinhos. Não busquem fins partidários, senão as coisas puras, honestas e de bom nome. Não desçam à falsidade, ao ardil, à política dos que são debaixo – antes, honesta, sincera e justamente, busquem viver sempre como aqueles que foram vivificados dentre os mortos.

Buscais as coisas que são do alto”, isso é, os gozos celestiais. Oh, busquem conhecer a paz do céu na terra, o repouso do céu, a vitória do céu, o serviço do céu, a comunhão do céu, a santidade do céu: vocês podem experimentar um desfrute antecipado de todas essas coisas – procurem conseguir essas coisas. Busquem, em uma palavra, se prepararem para o céu que Cristo está preparando para vocês. Prontamente haverão de mora acima – vistam-se para o grandioso festival. Seu tesouro está acima, então, seu coração deve estar com ele. Tudo o que haverão de possuir na eternidade está lá em cima, onde Cristo está – ascendam, então, e o desfrutem. A esperança deve antecipar os gozos que estão reservados, e, portanto, comecemos nosso céu aqui embaixo. Se, pois, ressuscitaram com Cristo, vivam de acordo com suas naturezas ressurretas, pois suas vidas estão escondidas com Cristo em Deus.

Que imã para atrair-nos até o céu deve ser esse ato: que Cristo está assentado à direita de Deus. Onde deveriam estar os pensamentos de uma esposa quando seu esposo está longe, a não ser com seu ser amado ausente? Vocês sabem, irmãos, que não sucede de maneira diferente conosco: os objetos de nosso afeto são sempre seguidos por nossos pensamentos. Que Jesus seja, então, como um grandioso imã, que atraia nossas meditações e afetos até Ele.

Ele está assentado, pois Sua obra está consumada – como está escrito, “havendo [Cristo] oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus” (Hebreus 10:12) Nos levantemos e descansemos com Ele. Ele está sentado em um trono. Observem Sua majestade, deleitem-se em Seu poder, e confiem em Seu domínio. Ele está sentado à destra de Deus em lugar de honra e favor. Essa é uma prova de que somos amados e favorecidos por Deus, pois nosso representante tem o lugar mais seleto, a direita de Deus. Que vossos corações subam e desfrutem desse amor e favor com Ele. Batam suas asas, meus pensamentos, e empreendam o voo até Jesus. Alma minha, não tens dito com frequência: “Ai de mim, que peregrino em Meseque, e habito nas tendas de Quedar!” (Salmos 120:5) Quem me dera ter asas de pomba! Eu voaria e descansaria lá.

Agora, então, alma minha, aqui existem asas para você. Jesus lhe atrai ao alto. Você possui um direito de estar onde Jesus está, pois está desposada com Ele – portanto, seus pensamentos deverão permanecer com Ele, descansar Nele, deleitar-se Nele, regozijar-se Nele, e regozijar-se outra vez. A escadaria sagrada está diante de nós – subamos até que sentemos pela fé nos lugares celestiais com Ele.

Que o Espírito de Deus abençoe essas palavras para vocês.

III. Em terceiro lugar, posto que ressuscitamos com Cristo, A NOVA VIDA DEVE DELEITAR-SE NOS OBJETOS APROPRIADOS. Isso introduz o segundo versículo: “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra” “Pensai!” Essas palavras não expressam com precisão o significado, ainda que tão próximas delas como qualquer cláusula poderiam estar. Poderíamos traduzi-las assim: “tenham um gosto elas coisas de cima”, ou “estudem diligentemente as coisas de cima”; ou “coloquem sua mente nas coisas de cima, não nas da terra.” O que é o suficientemente apropriado para um morto é muito inapropriado para um homem ressurreto. Os objetos do desejo que seriam adequados para nós quando éramos pecadores, não são objetos legítimos nem dignos quando somos feitos santos. Posto que fomos vivificados, temos que exercitar a vida, e posto que ascendemos, devemos amar coisas mais elevadas dos que as da terra.

Quais são essas “coisa de cima” nas quais temos que colocar nossos afetos? Peço-lhes agora que levantem seus olhares por encima daquelas nuvens e desse firmamento inferior, até a residência de Deus. O que enxergam ali? Primeiro, ali está o próprio Deus. Façam Dele o objeto de seus pensamentos, de seus desejos, de suas emoções, de seu amor. “Deleita-te também no SENHOR, e te concederá os desejos do teu coração” (Salmos 37:4) “Minha alma, espera somente em Deus, porque dele vem a minha esperança” (Salmos 62:5) Chamem-lhe: “O Deus de minha alegria e de meu gozo.” Não permitam que nada de interponha entre você e seu Pai celestial. O que é possuir todo o mundo se não se tem a Deus? E uma vez que possui a Deus, que importa que todo o mundo passe? Deus é tudo, e quando pode dizer: “Deus é meu,” você é mais rico que Cresso[2]. Ah, dizer: “Quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti.” (Salmos 73:25) Oh, amar a Deus com todo nosso coração, e com toda nossa alma, e com toda nossa mente, e com todas nossas forças – isso é o que a lei requeria, e é o que o Evangelho nos permite fazer.

O que vejo depois? Vejo a Jesus, que é Deus, porem, é verdadeiramente homem. Preciso relembrar-lhes, amados, que entreguem todo seu amor ao Bem amado? Não ganhou o coração de vocês, e não os possui agora sob um poderoso arrebatamento? Eu sei que vocês o amam. Então, fixem sua mente Nele. Frequentemente meditem em Sua divina pessoa, e em Seu glorioso reino, em Seu amor por vocês, em sua própria segurança Nele, em sua união com Ele. Oh, esses doces pensamentos devem de possuir seu peito, encher sua boca, e influenciarão vossa vida. A alva deve de romper pensamentos de Cristo, e seu último pensamento da noite dever ser adoçado com Sua presença; Coloquem seus afetos Nele,  que colocou Seu afeto em vocês.

Porem, ainda mais, que mais vejo acima? Vejo à nova Jerusalém, que é a mãe de todos nós. Vejo à igreja triunfante de Cristo no céu, com a qual a igreja militante é uma união. Não nos damos conta suficientemente de que somos parte da assembleia geral da igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos no céu. Amai a todos os santos, mas não se esqueça dos santos acima. Tenham comunhão com eles, pois formamos uma só comunhão. Recordem àqueles –



“Que uma vez lamentaram aqui abaixo,
E encheram de lágrimas seu leito,
Que lutaram duro, como nós agora
Com pecados e dúvidas, e temores”

Falem com os valentes que ganharam suas coroas, os heróis que pelejaram a boa batalha, e agora descansam de seus labores, acenando palmas. Seus corações devem estar sempre com os aperfeiçoados, como os quais haverão de passar a eternidade.

E que outra coisa há acima que nossos corações devem amar senão o céu mesmo? É o lugar de santidade: amemos-lhe de tal forma que comecemos a ser santos aqui. É o lugar do repouso – deleitemo-nos nele, para que pela fé entremos nesse repouso.

Oh meus irmãos, vocês possuem vastas propriedades que não viram nunca; e parece-me que se eu tivera uma propriedade na terra que logo haveria de ser minha, desejaria fazer-lhe uma inspeção sobre a cerca dela de vez em quando. Se eu não pudesse possuí-la já, gostaria de ver o que é que eu possuo segundo meus futuros direitos. Acharia uma desculpa para passar por esse curso e falar a qualquer pessoa que estivera comigo: “essa propriedade será minha logo logo.”

Em sua presente pobreza, se console com as muitas mansões. Na sua enfermidade, deleite-se muito na terra onde os habitantes já não dirão mais: “estou enfermo.” Em meio da depressão de espírito, consolem seus corações com a perspectiva de uma felicidade sem mistura –

“Não haverá mais fadiga, nem zombarias,
Nem pecado nem morte alcançarão o lugar;
Não haverá gemidos entrelaçados com as canções
que entoam as línguas imortais”

Que!? Está preso a essa terra? Não pode se projetar ao futuro? O riacho da morte é estreito; por acaso sua imaginação e sua fé não podem saltar sobre a torrente para fixarem-se naquele ribeiro por um instante e clamar: “tudo é meu, tudo é meu para sempre”?”Onde Jesus está, estarei eu; onde Jesus assenta-se, ali eu repousarei” –

“Longe de um mundo de dor e de pecado,
Com Deus eternamente residindo”

Pensai nas coisas que são de cima.” ah, distanciar-se nesse tempo presente desses torpes cuidados que são como neblina que nos envolvem! Até mesmo nós que somos servos de Cristo, e vivemos em Sua corte, algumas vezes nos sentimos cansados, e decaímos como se Seu serviço fosse duro. Ele não tem a menor intenção que seja uma servidão, e é nossa culpa se o convertemos nisso.

O serviço de Marta é requerido, porem ela não é chamada para ser oprimida com muitos afazeres – esse é seu arranjo próprio: sirvamos abundantemente, e, no entanto, nos assentemos com Maria aos pés do Mestre. Vocês que estão nos negócios, e que se misturam com o mundo pela necessidade de suas vocações, devem encontrar que é difícil manterem-se afastados das influências degradantes desse pobre mundo – os enredaria, se pudessem.

Vocês são como um pássaro, que está sempre em perigo quando pousa no solo. Há armadilhas, laços, redes, armas, e um pobre pássaro não está jamais seguro a não ser quando bate asas e voa ao céu. No entanto, os pássaros devem baixar para comer, e fazem bem ao beliscar sua comida com pressa, e voar tão logo quanto possam.

Quando tenham que se envolver e se misturarem com o mundo, e ver seu pecado e seu mal, tenham cuidado de não pousarem no solo sem seu Pai; e então, tão logo tenham colhido sua cevada, retirem-se outra vez, longe, longe, pois esse não é seu descanso. Vocês são como a pomba de Noé voando sobre a assolação das águas: não existe nelas descanso para a planta dos seus pés a não ser na arca com Jesus.

Nesse dia de ressurreição coloquem uma cerca frente ao mundo, lancem fora o javali selvagem do bosque, e deixem que as vinhas floresçam e as tenras uvas impregnem seu aroma, e deixem que o Amado venha e caminhe no jardim de nossas almas, enquanto nos deleitamos Nele e em Seus dons celestiais. Não devemos encher nossa carga de coisas daqui abaixo nesse dia santo, antes devemos guardá-lo como um dia de repouso para o Senhor. No dia de repouso não devemos trabalhar mais com nossas mentes quanto com nossas mãos. Os cuidados e as ansiedades de um tipo terreno profanam o dia do sagrado repouso.

A essência do quebrantamento do dia de repouso radica na preocupação, na murmuração, na incredulidade, essas tais com que demasiadas pessoas estão repletas. Deixem de lado essas coisas, amados, pois ressuscitamos com Cristo, e não é apropriado que andemos vagando entre as tumbas. Não, melhor, cantemos ao Senhor com um novo cântico, e O louvemos com toda nossa alma.

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Porção da Escritura lida antes do sermão: Colossenses 2:8-23 ; 3:1-5



FONTE:
Traduzido do espanhol Siguiendo al Cristo Resucitado, tradução de Allan Román, com autorização e permissão deste para o português para o Projeto Spurgeon , dehttp://www.spurgeon.com.mx/
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público
Sermão nº 1530—Volume 26 do Metropolitan Tabernacle Pulpit,
Original em inglês: FOLLOWING THE RISEN CHRIST

Tradução: Armando Marcos Pinto
Revisão: Camila Freire


Projeto Spurgeon | Pregamos a Cristo Crucificado.
Projeto de tradução de sermões, devocionais e livros do pregador batista reformado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) para glória de Deus em Cristo Jesus, pelo poder do Espírito Santo, para edificação da Igreja e salvação e conversão de incrédulos de seus pecados. Acesse em:  http://www.projetospurgeon.com.br/



[1] Os arcos são montados e “presos” por uma pedra principal no alto, que, se retirada, levaria ao desmoronamento da estrutura toda: os aquedutos romanos e abóbadas eram assim construídos (N.d.T)
[2] Cresso: último rei da Lídia. Sua lendária riqueza provinha do tráfico comercial e das minas de ouro do seu reino

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"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona